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Entrevista: "Adriano foi um passageiro da agonia", diz autor de livro de memórias do Imperador

Ulisses Neto, jornalista que escreveu a biografia de Adriano, concede entrevista exclusiva ao Somos Fanáticos

Adriano Imperador lançou biografia com Ulisses Neto. Foto: Imago
© IMAGO/Agencia MexSportAdriano Imperador lançou biografia com Ulisses Neto. Foto: Imago

Entrevista!

Adriano: meu medo maior”, assim é o título da biografia do eterno Imperador, que marcou época na seleção brasileira, no Flamengo e na Inter de Milão. O ex-jogador relatou, sem filtros e de forma crua, os 42 anos de uma vida repleta de peripécias, dramas, dilemas e conquistas.

Ao longo de 504 páginas, o jornalista Ulisses Neto conduz os três atos com os quais dividiu a biografia do ex-avançado. Em depoimento exclusivo ao Somos Fanáticos, ele falou sobre sua relação com o antigo internacional brasileiro: “mesmo com a conta bancária muito forrada, continua a ser uma pessoa com dor e sofrimento…

Na entrevista ao SF, o autor do livro detalhou todos os pormenores e bastidores que conduziram aos relatos do jovem que nasceu na Vila Cruzeiro, uma favela na Zona Norte do Rio de Janeiro, e que conquistou o futebol mundial.

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Somos Fanáticos (SF): Como e quando é que surgiu a ideia para escrever este livro?

Ulisses Neto (UN): Trabalhava numa plataforma norte-americana sobre história do desporto, chamado de The Players’ Tribune e tive a oportunidade de conhecer o Adriano quando fizemos uma entrevista que teve uma repercussão no Brasil, no resto do mundo também, mas principalmente no Brasil. Até hoje, várias passagens são partilhadas nas redes sociais e na altura quase todos os veículos de comunicação, dos grandes órgãos do país fizeram referência à entrevista. A repercussão foi muito boa para o Adriano. Ele já estava a escrever o livro para uma editora italiana, mas desistiu por incompatibilidade na conversa que teve com o escritor e, por isso, convidou-me. Não tinha a pretensão de escrever o livro com o Adriano. Na verdade, é o primeiro que escrevo, trabalho com documentários, mas ele convidou-me, perguntou se gostaria de fazer este trabalho com ele e, obviamente, aceitei o convite.

SF: Como correu o processo para entrevistar o Adriano?

UN: Foi bem complexo, porque passo a maior parte do ano na Europa e não no Rio de Janeiro, onde ele vive. Precisava mantê-lo interessado porque ele tem a vida dele, faz as coisas dele e também porque ele não tinha uma compreensão de todo o processo que é feito até o livro ficar pronto. Não poderia ficar muito tempo sem conversar com ele e, por isso, ia para o Rio de Janeiro a cada dois ou três meses para estar com ele. Mas ele tem uma vida dispersa, tal como está reportado no livro. O Adriano faz o que quer, quando quer. Tinha de bloquear dez dias na minha agenda, a cada viagem até ao Rio de Janeiro, ficava lá nesse período à espera que ele me chamasse para podermos conversar. Nesses dez dias, estava com ele três ou quatro dias, mas eram dias bem intensos e fiz isso ao longo de três anos, que foi o tempo todo que levei para escrever o livro.

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Três anos e meio até ao livro ficar no ponto

SF: Quando tempo demorou até o livro ter ficado pronto?

UN: Foram cerca de três anos e meio. Acredito que não ficou nada por dizer. Quis centrar muito o livro em três momentos, está dividido em três partes, atos. O primeiro é o nascimento dele na Vila Cruzeiro, numa favela na zona norte do Rio de Janeiro, até aos anos dele nos escalões de formação do Flamengo, quando o Adriano se tornou profissional e foi vendido para o Inter de Milão. A segunda parte são os anos dele em Itália, que é o ponto principal na carreira dele no futebol. E o terceiro ato é o regresso dele ao Brasil, que aconteceu de forma dramática quando o Adriano abandonou o Inter de Milão por não conseguir aguentar mais a situação que estava a viver na Europa até ele ter pendurado as chuteiras, algo que nunca foi declarado oficialmente, tanto que o Adriano agendou o jogo de despedida dele para as próximas semanas, para o dia 15 de dezembro deste ano.  

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SF: Ficou alguma coisa por dizer?

UN: O Adriano é relativamente jovem, tem 42 anos, nasceu em 1982, e ainda tem muita coisa para viver. O que ficou por ser dito é ainda aquilo que ele vai viver, sem dúvida alguma. Dentro desse período, foi revelado tudo, não resta mais nada a contar da história dele.

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SF: Alguma passagem do livro que ficou de fora e que gostaria de relatar?

UN: Não creio que tenha ficado alguma coisa por dizer. O Adriano foi muito transparente, inclusive, cheguei a dizer para ele que eu talvez não tivesse a coragem de escrever um livro sobre a minha vida com tantos detalhes, com uma exposição tão forte como o que escrevi relativamente à vida dele. Mas isso apenas aconteceu porque ele, realmente, estava decidido a contar tudo o que aconteceu com ele e a colocar os pontos nos Is em vários acontecimentos que muitas das vezes foram deturpados pela imprensa e que acabaram por criar uma imagem equivocada no imaginário das pessoas de uma personagem que talvez não seja o Adriano que é real. O livro acaba por esclarecer muito isso.

SF: Qual foi feedback do Adriano?

UN: O feedback dele foi muito positivo. Se procuram as notícias que foram feitas sobre o lançamento do livro, que aconteceu no Rio de Janeiro, as reportagens que foram feitas, o Adriano estava muito emocionado, chorou bastante. Ele contou a história da vida dele de uma forma transparente, bem aberta e o resultado faz jus a isso. É um livro grande, para o padrão do Brasil. Memórias de jogadores de futebol, normalmente, são um pouco mais condensadas, então isso até assusta um pouco as pessoas. Mas a reação dele foi a melhor possível, ficou muito satisfeito com o livro. Costuma-se dizer: “não julguem um livro pela capa”, mas até a capa do livro deixou-o muito emocionado. Até agora, só recebi elogios da parte dele.

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SF: O impacto que este relato cru poderá ter nos jovens?

UN: É difícil dizer. O Adriano não é uma pessoa que tenta estabelecer um padrão, ser um exemplo ou motivar os outros porque ele é aquilo que ele é. É difícil projetar uma imagem como uma referência quando se viveu a vida quase que por instinto. Ele não tem essa pretensão. Acredito que o livro, por ser um relato muito cru, cada pessoa vai reagir de uma maneira diferente. Tenho notado isso nos comentários que tenho lido. Alguns trechos já foram divulgados pela imprensa. Cada pessoa reage de uma maneira diferente. O impacto que poderá ter nos jovens é que eles entendam um pouco como é difícil a carreira de um jogador de futebol e que ela não é apenas este glamour todo que as pessoas pregam. O público entende que um jogador de futebol, como ganha muito dinheiro e alguns ganham, de facto, tem uma vida de cinema, que não podem reclamar de nada, porque a realidade deles é muito diferente da de um trabalhador comum. Só que na prática não é bem assim.

UN: O dinheiro não resolve a maior parte dos problemas, resolve as questões do quotidiano. O Adriano, mesmo com a conta bancária muito forrada, continua a ser uma pessoa com dor e sofrimento, e isso impactou a carreira dele e a pessoa que ele é hoje em dia. Talvez esta seja a principal lição que as pessoas podem aprender, principalmente os jovens. Não devem motivar as ações deles pelo dinheiro ou pela fama. O Adriano nem foi motivado por isso, foi mais um passageiro da agonia do que alguém que era ambicioso. Mas a história dele serve para mostrar às pessoas que talvez sejam muito ambiciosas ou movidas pelo dinheiro que as coisas não funcionam bem assim na prática e que as consequências acabam por ser muito grandes. Mas cada pessoa irá reagir de uma maneira diferente a esta história.

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SF: Se pudesse escolher, escreveria a biografia de que outro/a desportista?

UN: Gostei muito da experiência de escrever o livro. Já tenho mais alguns projetos encaminhados e, realmente, gostaria de continuar a atuar neste seguimento, de escrever livros de memórias. Talvez fugisse um pouco do futebol para testar outras histórias, mas também não sei. No final das contas, tenho de deixar as coisas acontecerem e ver quais vão ser as oportunidades. O que tenho a certeza de que gostaria de fazer é escrever um livro de memórias de uma pessoa que esteja aberta a contar o que de facto aconteceu com ele e não de propagar uma imagem. Essa é que é a grande dificuldade hoje em dia, encontrar uma pessoa que queira ser sincera como o Adriano foi.

Adriano representou emblemas como o Flamengo, Inter de Milão, Fiorentina, Parma, São Paulo, Roma, Corinthians, Atlético Paranaense e Miami United. Pela Seleção do Brasil, contabilizou 50 internacionalizações e marcou 29 golos. Entre os títulos conquistados, destaque a Copa América, quatro edições da Liga italiana e duas do Brasileirão, por exemplo.

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