Frederico Varandas esteve na RTP3 na noite do último domingo (20). Numa longa entrevista, o presidente do Sporting falou sobre a atualidade desportiva do clube, mas também do caso dos e-mails e do FC Porto sem Pinto da Costa.
Tudo o que disse Frederico Varandas
A chegada ao Sporting e o trabalho feito
“Eu resumia essas três medidas [decisivas para que o Sporting não morresse] a uma só: fazer o necessário fazer pelo clube. Hoje vivemos uma fase que eu em 45 anos nunca vivi. E pessoas mais velhas também têm mais dificuldades em lembrar-se.
Por factos, falando nos últimos 4 anos, conquistámos dois títulos nacionais e várias taças; nos últimos 5 anos o clube deu lucro quatro vezes, o único ano que não deu lucro foi em ano de COVID; recuperámos o clube financeiramente; recuperámos e garantimos a maioria do capital da SAD, reforçando em 88%;
Requalificámos e investimos no nosso património, Estádio e Academia, como nunca antes; temos o maior número de sócios de sempre com quotas em dia e hoje, para este estádio, mais de 8 mil pessoas em espera para adquirir um lugar.
Por isso, de facto, lembrando o ponto de partida e pensando que apenas se passaram seis anos, o trabalho da minha equipa é de facto extraordinário”.
Diferenças nas contratações
“Lembro-me bem que, por exemplo, que para fechar o Nuno Santos – estamos a falar de um valor de 3,5 milhões de euros, à data – foram quase cinco dias. O Rio Ave, através do seu presidente na altura, exigia garantias do pagamento do IVA.
Ou seja, isto para as pessoas perceberem a credibilidade que o Sporting tinha. Aliás, não tinha. E a dificuldade para contratar um jogador de 3,5 milhões de euros”.
A coragem e a contratação de Ruben Amorim
“Contratar Ruben Amorim foi um ato 100% racional. E quando muito se elogia Ruben Amorim, também muito se critica o que estava para trás. Hoje já estamos com quase seis anos de distanciamento dessa fase e posso dizê-lo: ele também teve a coragem de aceitar este cargo.
Leonardo Jardim, Abel Ferreira, Rui Jorge, Quique Setién, Unai Emery (com quem o Viana tinha uma ótima relação), todos, por diferentes razões, agradeceram mas não quiseram vir. Estamos a falar nesse período de 2018 a 2020.
E, de facto, em 2020, o Ruben Amorim não hesitou, ao contrário dos outros. E aí eu também tenho de reconhecer a coragem de um jovem treinador que viria, teoricamente, para um cemitério de treinadores”.
Comparação Frederico Varandas/Amorim com a dupla Pinto da Costa/José Maria Pedroto
“Sabe, um dos exercícios que eu faço desde que sou presidente do Sporting é ligar muito pouco ao que dizem de mim. Já fui insultado de tudo, durmo bem com isso. Mas, de facto, essa comparação com o senhor Pinto da Costa, se calhar (risos), está a um nível mais difícil de superar.
Atenção, não por falta de inteligência, não por falta de competência, não por astúcia, mas sim por uma razão muito simples do meu ponto de vista, e não querendo magoar ninguém: para mim, toda a competência que uma pessoa possa ter, toda a inteligência, vale zero, é uma fraude, se não for alicerçada em valores e na ética.
E, por isso, para mim, na minha concepção, seria horrível se eu fosse comparado a esse presidente“.
Saída de Amorim
“Uma das maravilhas de ser adepto e sócio é eles poderem desfrutar do presente. É o papel deles. Eu não desfruto do presente. E quando estou a viver no futuro, estou já há vários anos preparado para saber que peça vai entrar se aquela sair. Com uma garantia, para mim: a qualidade do processo de trabalho interno tem de se manter.
Por isso, quando perder Ruben Amorim, se é este ano, se é para o próximo… eu ouço esta pergunta há mais de quatro anos. O que para mim – e acho que isto devia orgulhar todos os sportinguistas – é de questionar é como é que um dos melhores treinadores do mundo está há 5 anos no Sporting. Isso é que é fantástico.
Saída de Gyökeres
“Eu diria que é muito, muito, muito difícil que saia no mercado de Inverno. Impossíveis não há na vida. Agora, eu diria que é muito, muito difícil”.
Saída de Hugo Viana
“Foi um triângulo fundamental [Varandas-Amorim-Viana] para o crescimento e para o retomar do verdadeiro Sporting. Isto é história. Ficou. Ficará para sempre. Ruben Amorim e Viana foram fundamentais neste arranque. Obviamente, Hugo Viana é o assunto do momento. Hugo Viana, obviamente, e aqui do ponto de vista pessoal, merece tudo. Não só do ponto de vista profissional, da parte humana.
Vai para, provavelmente a par do Real Madrid, um dos clubes mais poderosos do Mundo. Algo que nunca aconteceu em Portugal, um dirigente português a ir para o patamar máximo dos máximos. E isso é mérito dele, mas também é muito mérito de como hoje o Sporting é visto lá fora.
Muitas vezes cá em Portugal ligamos muito à trica, àquela telenovela, mas lá fora os clubes organizados, os clubes vencedores, olham e veem um clube que se reinventou, veem um clube que dá lucro financeiro e veem um clube que ganha títulos e que valoriza os seus ativos.
Por isso, obviamente, este é o patamar de excelência em que o Sporting é visto lá fora. E para nós, Sporting, é muito importante que o Hugo Viana tenha sucesso no Manchester City“.
Gosto de relembrar que há seis anos criticavam o Hugo Viana, porque não sabia fazer planeamentos, não sabia organizar o plantel, etc. Fico muito reconhecido, até pelo Hugo. Mas eu sabia o potencial que ele tinha. Da mesma forma que o faço nas pessoas que o vão substituir – tenho a certeza que daqui a 4/5 anos estará um City da vida a querer contratá-los. Isso eu também não tenho qualquer dúvida”.
Mudanças na estrutura
“A estrutura é diferente, o resultado será o mesmo. Ficou muito claro que vamos ter um diretor geral e um diretor de scouting/diretor técnico. O diretor geral será o operacional de toda a máquina, e o diretor de scouting/diretor técnico será o braço-direito do treinador na elaboração do plantel, juntamente com o presidente.
Treinadores, jogadores, obviamente, tudo o que entrou e tudo o que vai entrar, tem de ter sempre o meu acordo. A decisão final é sempre do presidente“.
Relação com as claques
“A mim não me preocupa muito a relação que as claques têm comigo. Preocupa-me sim a relação que as claques têm com o Sporting. E quando nós chegámos, não podia haver quem quer que fosse acima do Sporting. Do que é o melhor para o Sporting. Seja uma claque, seja um grupo de sócios, seja quem for.
E teve de ser feito o que nós entendíamos o melhor para o Sporting, para defender o Sporting. As consequências disso, se depois ficam a gostar muito ou pouco de mim, isso é para o lado, mais uma vez, que durmo melhor”.
Caso dos e-mails: suspensão do Benfica?
“Hoje acredito pouco. Pelo que eu vi do futebol português, como adepto, como diretor clínico e como presidente. Penso que independentemente da decisão judicial, é inegável que a mancha está lá. E isto é mais um sinal, mais uma confirmação, daquele que vem a ser, podemos chamar, o segundo período negro do futebol português.
Houve um período negro chamado Apito Dourado. Hoje, não sei se vai ser recordado como o Caso dos Emails, ou não, mas a verdade é que são duas fases negras do futebol português e não há que ter medo de dizer que esses dois períodos têm dois rostos: Pinto da Costa e Luís Filipe Vieira. Está claro.
Estes casos são patentes de todas as más práticas, toda a falta de ética, que esteve aqui durante anos, anos e anos. E, atenção, enquanto presidente do Sporting, reconheço que há muita culpa própria do insucesso do Sporting nestes 40 anos. Mas isto é a prova, porque o Sporting acredita nisto, que o jogo estava viciado à partida. Que era muito difícil”.
A “portização” do Benfica
“Vi, passou quase entre as linhas, que um agente, um segundo agente, vai ser acusado por corrupção ativa de jogadores do Marítimo para perderem contra o Benfica. Já reparou como o caso do César Boaventura era um caso extraordinário…
É um caso de amor, um empresário decide gastar centenas de milhares de euros para corromper um clu… (corrige), um jogador para favorecer o Benfica. E agora apareceu um segundo agente! Isto ainda mais extraordinário é!
E de facto, para mim é claro, há um período do Apito Dourado onde, volto a dizer, Pinto da Costa tinha toda a sua teia, toda a sua estrutura montada. E mais tarde aparece um Luís Filipe Vieira, talvez cansado de investir e não conseguir ganhar, que faz uma ‘portização‘ do Benfica. Vai buscar pessoas que toda a gente conhece, nomeadamente esta pessoa que é denominador comum em todos os processos: Paulo Gonçalves.
Fez parte da sociedade do Porto, foi para o Boavista, curiosamente o Boavista foi campeão. Curiosamente, também, sai do Boavista quando o Boavista desce de divisão no caso Apito Dourado… e ele passa entre os pingos da chuva. E Vieira vai buscá-lo. É preciso pôr os nomes aos bois. E obviamente, eu aqui não desresponsabilizo a falta de competência, porque a houve, do Sporting, mas houve aqui muita viciação do jogo”.
Fazer-se justiça
“Tenho muitas dúvidas, embora haja sempre esperança quando vejo países como Itália, onde vejo uma Juventus que desceu de divisão, ou ainda agora recentemente na Premier League, clubes a perderem pontos…
Mas também entendo a dificuldade do Ministério Público em conseguir provar. Agora, uma coisa é o que é provado, outra coisa é o que… Um português com dois dedos de testa sabe bem o que se passou”.
Mudança de liderança no FC Porto
“Da minha experiência pessoal, é uma mudança muito positiva. Para o futebol português também muito positiva. Para o Sporting, e esse acho que é o nosso segredo, os valores estão a base do nosso sucesso. A dignidade, a integridade e o desportivismo estão acima de qualquer título ou acima de qualquer conquista.
Também é verdade que o Sporting se desviou recentemente desses valores. Mas a verdade é que foi o Sporting também a expelir e a resolver esse problema. Mas não negamos essa fase. Independentemente das conquistas e dos feitos dessa fase, nós não elogiamos publicamente essa liderança.
Acho que tem de existir alguma coerência moral. Ou seja, se preconizo e se adoto e divulgo que nós agimos sob determinados valores e transparência, então não faz sentido elogiarmos publicamente quem representa o oposto disso tudo”.
Perdão à dívida
“Foi um trabalho duro, longo, onde o mérito tem de ser todo dado ao meu administrador Francisco Zenha e à sua equipa. Mas, atenção, isto só foi feito porque no final de contas foi bom negócio para todos. A verdade é que foi um bom negócio para o Sporting e um bom negócio para a banca. Se não fosse, não o teríamos feito. Isso não há qualquer dúvida”.
Ganhar a Champions
“Se me disserem a mim, a um sócio do Sporting, que eu acredito que o Sporting vai vencer uma Liga dos Campeões, estaria a mentir. Não acredito. E não é pela falta de competência que a minha equipa tem, que a minha estrutura tem.
Mas nós temos de ter a consciência do que é que somos, enquanto país, a economia que somos e com quem competimos. Por isso, para um Sporting ganhar uma Liga dos Campeões teria de correr-nos tudo espetacularmente e os nossos concorrentes serem profundamente incompetentes”.