Carla Couto, uma lenda de Portugal (parte 2)

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Na segunda parte da entrevista exclusiva ao Somos Fanáticos Portugal, entre outros temas, Carla Couto aproveitou para fazer uma antevisão à estreia lusa no Campeonato Europeu Feminino 2025. A antiga internacional e ex-avançada deu-nos a sua visão sobre a prova e aquilo que as Navegadoras poderão fazer. Acima de tudo, continuaremos a ler uma conversa sincera com quem fez do futebol uma missão de vida.
O que terá dito Carla Couto antes da estreia de Portugal no Europeu 2025?
Falando especificamente da seleção portuguesa, que está quase a jogar o Campeonato Europeu Feminino 2025, Portugal ficou num grupo complicado, com Espanha, Itália e Bélgica. Sendo assim, quais são as tuas expectativas para esta competição na Suíça e o que seria para ti um sucesso na prova?
Aquilo que seria um sucesso na prova, a nível desportivo, era passarmos a fase de grupos. Acho que nunca conseguimos. Portanto, passar a fase de grupos já seria fazer história. Vai ser um grupo difícil, com dois embates recentes em que perdemos, mas o contexto é diferente, os jogos são diferentes e elas vão entrar de forma diferente. Tenho a certeza, independentemente de tudo, que não há jogos ganhos nem perdidos antes de os fazermos.

A ex-avançada tem 51 anos e é delegada do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol. Foto: SJPF.
Tenho igualmente a certeza de que elas vão entrar com garra, com atitude, com querer, com vontade e com resiliência para fazer o melhor e dignificar ao máximo a camisola que têm vestida. A Espanha, que é o primeiro jogo, é uma equipa muito forte, campeã do Mundo, que merece o nosso respeito. Mas eu tenho a certeza de que a seleção vai entrar olhos nos olhos para ganhar e para fazer uma excelente partida.
“Tenho igualmente a certeza de que elas vão entrar com garra, com atitude, com querer, com vontade e com resiliência”
Carla Couto
Gostava muito que passássemos à fase seguinte. Acho que por tudo aquilo que estas jogadoras têm dado, por tudo o que têm feito, mereciam-no, mas vamos ter que ser muito competentes para conseguir isso. Eu sei que elas estão com muita vontade, com muito querer e com muitas ganas de começar e de poder mostrar o seu valor. Tudo o que está para trás, está para trás. Já não se muda. O que nós podemos mudar é o que vem para a frente.

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Individualmente, temos jogadoras que se destacam, mas acho que nós valemos por um todo. Claro que, como em todas as seleções e nos clubes, há sempre alguém que se destaca mais. Nós temos duas, três que podem vir a fazer grande diferença pela sua irreverência e qualidade técnica, mas valemos sempre pelo conjunto. Por exemplo, a Kika Nazareth, com 22 anos, é uma referência. Espero que ela assuma para si a responsabilidade que tem, mas que se divirta imenso.
Das memórias à formação: “Adoro partilhar as minhas experiências”
Voltando brevemente ao passado, eu conheci-te quando estava a dar os meus primeiros passos no futebol e chegaste a ser minha treinadora. Que memórias guardas desses momentos em que davas do teu tempo para ensinar crianças a jogar à bola?
Na altura, estava no ADCEO e é um pouco do sentimento que ainda tenho. Hoje, estou numa equipa de futebol de praia e dá-me um gozo enorme. Fui liderada por pessoas que me acrescentaram muito e passar um pouco do conhecimento a outros dá-me um gosto enorme. São memórias partilhadas com tantas crianças que às vezes vêm ter comigo e nem sempre me lembro delas. De ti lembro-me e obrigada por te teres lembrado de mim. É um gosto estar a dar-te esta entrevista.

Carla Couto a levantar um dos vários troféus que conquistou na carreira (em termos nacionais, foram 11 Campeonatos e seis Taças de Portugal). Foto: 1.º de Dezembro.
Tenho também um torneio meu, que vai ser a quarta edição aqui no campus, para equipas de sub-17 femininas. Tenho o cuidado de falar com os pais e de falar com elas, transmitir um pouco do que foi a minha vivência, de motivar e dar uma palavra de carinho. Sem dúvida, na minha altura, eu valorizei muito e valorizo hoje muito o facto de, há 30 anos atrás, ter tido a felicidade de ter uns pais que me apoiaram a 100%.
Sou igualmente uma pessoa muito comunicativa e dá-me uma alegria enorme partilhar as minhas experiências com elas e também de aprender com elas. Adoro fazer aquilo que faço e tenho muito orgulho daquilo que fiz e por onde passei, porque deixei uma “marcazinha” por onde passei. Tu és a prova viva disso, que até a tua mãe e o teu pai se lembram das palavras e elogios que te dei há 20 e tal anos. Portanto, é algo que me deixa muito feliz.

Carla Couto, junto com muitas outras importantes figuras nacionais do futebol nacional, nas paredes do campo em Odivelas que pertence à SJPF. Foto: Somos Fanáticos Portugal.
A emoção de vestir a camisola da seleção
Ainda te recordas daquela primeira internacionalização em 1993? O que sentiste ao entrar em campo pela primeira vez com a camisola da seleção?
Estava tão nervosa…até chorei a cantar o hino, porque era uma emoção tão grande. Mas era um orgulho enorme, sabes? Nós passámos por vários estágios de observação e eu conseguir estar lá foi um motivo de orgulho e de muita emoção. Tremia por tudo o que era lado, mas foi o começo de uma coisa que eu acho que foi muito bonita na minha vida: o tempo em que joguei futebol e que me dá umas saudades enormes. Jogar futebol foi algo que me fez muito feliz.

Carla Couto fez 29 golos em 145 jogos por Portugal. Foto: Facebook Carla Couto.
O que é que a Carla Couto de agora diria para aquela jovem que ainda nem 20 anos tinha?
Trabalha. Trabalha que tu tens todas as capacidades de chegares ao topo. Mas eu, como era “malandreca”, fiquei-me por uma boa jogadora em Portugal. Contudo, podia ter arriscado. Tive vários convites para jogar fora e que me podiam ter levado a patamares muito mais elevados. Pelo que os meus treinadores diziam, eu tinha qualidades inatas, era muito boa jogadora, mas também nunca vi isso como chegar a ser uma Marta, por exemplo.
Outra coisa que poderia dizer-lhe é que se é este o teu sonho, corre atrás dele, luta por ele. Dá trabalho? Dá muito trabalho! Mas com perseverança, com querer, com vontade, com resiliência, todas essas palavras bonitas que nós sabemos, estuda, cria uma carreira e faz do futebol o teu sonho, a tua carreira. Mas sempre, sempre, sempre, sempre, paralelamente aos estudos. Nunca te esqueças disso, por favor.
“Lutem pelo vosso sonho e dediquem-se, porque tudo é possível, hoje em dia”
Que conselhos é que darias às raparigas que sonham seguir os teus passos e jogar ao mais alto nível?
Se é este o vosso sonho, se é esta a vossa convicção, então façam tudo o que puderem. Dediquem-se, esforcem-se, sejam resilientes e sejam comprometidas. Não é fácil nós chegarmos ao topo, dá muito trabalho, mas tenham certeza de que quando lá chegarem tudo valerá a pena. E, como eu disse anteriormente, nunca se esquecerem dos estudos e de se formarem. Hoje em dia, temos jogadoras profissionais e que estão a terminar os seus cursos.

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É uma mais-valia, porque isto é uma carreira curta. Se já é para os homens, então para nós mais curta é. Mas se é este o vosso sonho, lutem. Lutem pelo vosso sonho e dediquem-se, porque tudo é possível, hoje em dia. Além disso, não deixem nunca que ninguém vos diga que não é possível. Hoje, sem qualquer dúvida, as meninas e as mulheres podem fazer aquilo que querem. Portanto, façam.
“Nunca chorámos nos teus pés”
Carla Couto
Por fim, se as tuas chuteiras pudessem falar, o que é que achas que diriam?
Vou brincar contigo. Até porque era aquilo que a minha mãe dizia: “É um pé pequenino, mas muito jeitosinho. Não interessa o tamanho, interessa é a qualidade.” Bem, também diriam que poderia ter feito coisas diferentes. Tal como te disse, tenho a convicção que se me tivesse dedicado muito mais ao futebol – não é que não levasse o futebol a sério, mas fazia aquilo que achava que bastava para jogar – podia ter dado mais. Por fim, diriam: “Nunca chorámos nos teus pés.”